As estratégias e desafios das IPES para ofertar o Ensino Técnico

A nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular), referente ao Ensino Médio, direcionou a atenção para outro itinerário de formação: o Ensino Técnico, que agora ganha mais visibilidade com a Portaria 314, de 02 de maio, e edital 48/2022 do MEC, que estabelecem as normas para habilitação e autorização das Instituições Privadas de Ensino Superior (IPES), que passam a  disponibilizar cursos técnicos de nível médio, desde que já credenciadas e autorizadas para oferta de cursos de graduação. 

Presencial ou a distância, os cursos do Ensino Técnico deverão ser concomitantes e subsequentes para estudantes que estejam cursando ou tenham concluído o Ensino Médio, desde que na mesma modalidade e local da graduação correlata.

O tema tem se tornado foco de vários debates, devido às novas perspectivas para este nível educacional, que ainda tem amplo potencial de crescimento. Dados, referentes a 2019, que constam no relatório Education at a Glance 2021, apontam que entre os 37 países membros e parceiros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o segundo com a pior taxa de formação técnica e profissional, entre os formandos do Ensino Médio. 

Por aqui, só 9% dos adolescentes concluem a Educação Básica com um diploma de curso técnico, enquanto a média da OCDE é de 38%. Na Áustria, Suíça e Reino Unido, por exemplo, este percentual ultrapassa os 60%. Neste cenário, a meta 11 do Plano Nacional de Educação prevê “triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta em pelo menos 50% da expansão no segmento público”, até 2024.

Por outro lado, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) aponta que, se comparado ao Ensino Médio completo ou o Ensino Superior incompleto, o Ensino Técnico proporciona ao estudante mais oportunidades no mercado de trabalho.

A preparação das IPES, suas estratégias de qualidade e expertise na graduação em conexão com o Ensino Técnico e as chances de reduzir os índices de evasão nas universidades são algumas questões abordadas pelos convidados do Blog da Minha Biblioteca, que atuam no Centro Paula Souza: Prof. Almério Melquiades de Araújo – Coordenador da Unidade do Ensino Médio e Técnico e Prof. Rafael Ferreira Alves – Coordenador do Ensino Superior de Graduação das Fatecs.

Na avaliação dos especialistas, esta Portaria gerou um impacto positivo. Prof. Almério ressalta que qualquer alternativa de ampliação do Ensino Técnico poderá ser uma chance de reduzir o déficit de formação neste nível de educação profissional e que, a partir de agora, abre-se uma nova oportunidade para a melhor formação e capacitação dos estudantes. Mas alerta: “temos que levar em conta que a melhoria da formação pressupõe diversos fatores, entre eles, infraestrutura tecnológica, professores e currículos atualizados, bem como parcerias com os setores produtivos relacionados aos cursos”.

Para ele, na prática, esta potencial continuidade entre os dois níveis educacionais, numa mesma instituição, pressupõe que a “articulação entre cursos de níveis médio e superior, prevista nas DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais) da EPT (Educação Profissional e Tecnológica) de 01/2021, entre cursos de mesmo Eixo Tecnológico, atenda aos interesses de alunos que pretendem prosseguir nos estudos na graduação e, obviamente, resultará numa otimização de espaços físicos, instalações, equipamentos, material didático e pessoal docente”.

Prof. Rafael concorda que a receptividade foi favorável, considerando que se vislumbra as possibilidades de verticalização curricular e promoção de acesso articulado com o Ensino Superior. “A partir da formação profissionalizante (Ensino Técnico) entende-se que se direciona a atuação profissional, desde o ensino de nível médio, para se desenvolver competências profissionais, a partir desta formação, e em perspectiva de continuidade no Ensino Superior, com base na Educação Profissional e Tecnológica (EPT)”, detalha.

Holofotes 

Ter o olhar direcionado para o Ensino Técnico não é uma novidade. Segundo o Prof. Almério, as leis, decretos, diretrizes, catálogo de cursos e programas têm, nos últimos 50 anos, tentado dar diferentes rumos à EPT. “Em geral os resultados ficam aquém dos objetivos almejados, mesmo quando trazem contribuições importantes”, lamenta.

Mas o interesse e processo de autorizações nas instituições pode acontecer de uma forma mais dinâmica agora, porém com cuidados. “Se as IPES resolverem oferecer cursos técnicos no mesmo eixo tecnológico dos cursos superiores já implementados, otimizando a infraestrutura existente, o desafio será elaborar os Planos de Curso e selecionar professores que estejam capacitados para essa nova demanda”. Esta adequação passa ainda por uma base essencial: a formação do corpo docente. “É importante que seja composto por professores graduados na área do curso e com experiência profissional”, avalia.

Outro aspecto relevante refere-se às diretrizes e à legislação para os Cursos Profissionalizantes, que também exigirão ajustes. “As DCNs da EPT, aprovadas em 01/2021, contemplam os níveis médio e superior, mas são distintas das previstas para os bacharelados e licenciaturas”, explica Prof. Almério.  Ele lembra ainda que “a construção do currículo de cada curso e a preparação do perfil profissional de conclusão devem ser elaborados por uma equipe de especialistas da área e de representantes de empresas parceiras”. Vale observar que essas companhias podem, inclusive, atender as necessidades regionais, em relação à falta de qualificação de profissionais e vagas em aberto.

Há mais um ponto que pode contribuir com as IPES neste processo: “elas poderiam fazer parcerias com instituições ofertantes de cursos técnicos bem avaliados ou recorrer a especialistas experientes em elaboração e avaliação de currículos”, sugere o Coordenador da Unidade do Ensino Médio e Técnico.

Neste contexto, também deve-se considerar vários critérios para as IPES definirem os cursos técnicos de seu interesse. Ele cita alguns passos. “Pode iniciar com a seleção de cursos relacionados a infraestrutura e laboratórios já existentes e fazer um levantamento de demanda para cada curso, entre alunos ou egressos do Ensino Médio”.

Mercado de Trabalho

Mesmo sendo visto como uma oportunidade de acelerar o ingresso no mercado de trabalho, os Cursos Profissionalizantes ainda não atendem a atual demanda. Para o Coordenador da Unidade do Ensino Médio e Técnico, “no país e, provavelmente, na quase totalidade dos Estados, a oferta de formação profissional de nível médio é deficitária há décadas e desigual entre regiões e até municípios. Logo, se bem planejada e oferecida conforme as diferentes demandas e interesses de jovens e trabalhadores, o Ensino Técnico terá um papel importante na melhoria de produtos e serviços”.

Embora pesquisas revelem que os que optam pelo Ensino Técnico tenham como vantagem adquirir um conhecimento capaz de garantir, mais rapidamente, uma posição melhor no mercado de trabalho, o que representa empregabilidade e maior rendimento, a taxa de estudantes brasileiros matriculados na educação profissional e técnica ainda é muito baixa. “De fato, o índice de alunos do Ensino Médio, na faixa etária de 14 a 17 anos, que fazem um itinerário técnico e profissional é preocupante. Acredito que a meta de atingirmos, em São Paulo, um índice de 25% neste grupo até 2026 é plausível”, projeta Prof. Almério.

Estruturação

Se a Portaria abre uma perspectiva de crescimento para o Ensino Técnico Profissionalizante, também traz novas possibilidades na área de graduação. Afinal, cria-se uma outra trajetória para estes estudantes terem continuidade nas suas carreiras, com a graduação, no mesmo campus.

Para o Prof. Rafael este cenário sugere diferentes olhares. “Se pensarmos em “prós”, os estudantes chegam com competências previamente desenvolvidas do Ensino Técnico que, salvo melhor juízo, ingressam alunos na graduação na perspectiva prática do saber fazer e desempenhar competências profissionais convergentes para o itinerário formativo no Ensino Superior. No “contra”, é possível ocorrer a perda de alunado no Ensino Superior, a partir da inserção laboral dos estudantes no mundo do trabalho”. 

De qualquer forma, o Coordenador do Ensino Superior de Graduação das Fatecs acredita que o que poderá motivar as IPES a demonstrarem interesse pela implementação dos Cursos Técnicos é justamente a probabilidade de verticalização dos itinerários formativos e a geração de demanda para o ensino superior tecnológico. Mas as instituições terão que se adaptar a essa nova realidade. “Entende-se que as IPES precisam verificar a legislação e Diretrizes Nacionais Curriculares vigentes, perfil de corpo docente para EPT, infraestrutura mínima necessária para realização da EPT, metodologias e propostas pedagógicas, pois o próximo passo de quem faz um curso técnico é se especializar na área, numa graduação.  Este processo de preparação envolve estudar as possibilidades da oferta dos cursos técnicos e a transição do Ensino Médio para o Superior”. 

Dentre os tipos de cursos técnicos possíveis, para o Prof. Rafael, os eixos tecnológicos de Gestão e Negócios podem ser mais simples de serem implementados, pois exigem menos infraestrutura laboratorial.

Mas é essencial, ao avaliar a demanda, considerar as graduações que já são ofertadas pela instituição e realizar a adequação de itinerários formativos na perspectiva de verticalização curricular. Em relação às diretrizes curriculares, para se construir um programa de curso técnico pelas IPES, que sirva de base para futura graduação e corresponda às expectativas dos estudantes, o melhor caminho é “se alinhar fortemente com o setor produtivo e o mundo do trabalho”, avalia.

O que se projeta é que, a partir de agora, o estudante passará a escolher, já no Técnico, a instituição que lhe proporcionar a graduação na sequência. Num segundo momento, a familiarização com o campus e a própria metodologia de ensino poderão ser um atrativo de permanência. “O aluno já passa a se ambientar na IES visualizando a continuidade de estudos e o que influenciará também é a possibilidade de atuação e realização profissional no mundo do trabalho”, analisa Prof. Rafael. 

Para as IPES, um ponto que pode ser favorável com a implementação do Ensino Técnico é a chance de ganhar em notoriedade na opinião do estudante. “Isto poderá ocorrer, caso a instituição avalie o desenvolvimento de competências e perfil de egressos”, observa o Coordenador do Ensino Superior de Graduação das Fatecs.

Porém, a responsabilidade da IPES, com um futuro Técnico de qualidade, pode ir além e atuar de forma decisiva no desenvolvimento de um aluno que estará mais apto para cursar a graduação, o que pode contribuir para a diminuição da evasão no Ensino Superior. Para o Prof. Rafael estes dois aspectos são reais. “A instituição pode atuar, inclusive, com o “Projeto de Vida” deste estudante e a promoção e sua manutenção no Ensino Superior, a partir da perspectiva de inserção laboral após a conclusão do mesmo”.

Tecnologia 

Diante desta nova demanda, os recursos tecnológicos e os acervos – físico e virtual – também precisam ser considerados, ao se definir a composição bibliográfica, básica e complementar, com os cursos de graduação. 

“Deve-se observar a adoção de acervo virtual alinhado com as ementas e o conhecimento necessário para o desenvolvimento de competências gerais e profissionais”, observa Prof. Rafael. “Tanto o acervo como material didático, físico e virtual, precisam estar previstos em capítulo do Plano de Curso”, completa Prof. Almério.

Para os entrevistados, o grande propósito deste novo Projeto Educacional é contribuir para a expansão do Ensino Técnico de qualidade e consequente melhoria de recursos humanos de nível médio e a formação com as diretrizes e princípios norteadores da EPT.

  • Para saber mais sobre o assunto, acesse o link do Painel Virtual “IPES e cursos técnicos: uma nova oportunidade de inovar”, promovido pela Minha Biblioteca, durante o evento dedicado à Inovação no Ensino Superior, que contou com a participação do Prof. Almério Melquiades de Araújo.

*A opinião do entrevistado (a) não expressa, necessariamente, o posicionamento do Blog da Minha Biblioteca.

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