‘A Universidade deve preparar o futuro profissional do Direito para a vida’

A paixão pelos livros, a dedicação ao Direito e o encanto pela docência foram os ingredientes fundamentais para a Profa. Dra. Maria Helena Diniz se tornar uma das maiores referências do Direito Civil no Brasil. A advogada, jurista e professora universitária é, também, autora de sucesso, com mais de quarenta livros e artigos publicados. Recentemente, suas obras foram disponibilizadas no acervo digital da Minha Biblioteca.

Para saber mais sobre sua carreira, o Blog da Minha Biblioteca a entrevistou, com exclusividade. Na conversa, ela nos conta sobre sua fascinação pela leitura e estudo, como mantém o espírito sempre aberto à pesquisa, faz ponderações pertinentes aos modelos de ensino e enfatiza que a Educação deve ser um poderoso e eficaz meio de transformação social, “visto que proporciona conhecimento da vida, criatividade, cultura, técnica-científica e senso crítico responsáveis pela formação humanística e profissional do corpo discente”.     

MB – Quais as principais mudanças que percebeu na relação docente-discente desde o início de sua atividade como professora?

Maria Helena Diniz – No início de minha carreira, as faculdades tinham um relevante papel na intelectualidade dos alunos, apesar de o ensino ser teórico e da Pedagogia centralizada no professor, que dava aula conferência. Hoje, o ensino volta-se ao estudante pois, além das aulas, há estudo dirigido e seminário, aliando a teoria à prática. 

MB – Acredita que as Universidades atendem às novas demandas e exigências do mercado, formando profissionais preparados para atuar nas diferentes áreas do direito? O que precisa ser melhorado na formação científico-jurídica no Brasil e como influenciar discentes, profissionais e cidadãos para que possam fazer a diferença na sociedade? 

Maria Helena Diniz – As universidades devem proporcionar aos seus alunos formação, concomitantemente, generalista e especializante, formando advogados, juízes, promotores etc., com preparo técnico-jurídico para que possam exercer sua profissão com competência, autodisciplina, probidade e responsabilidade. O profissional do Direito necessita ter, além do conhecimento do ordenamento jurídico, eticidade, agilidade de raciocínio, capacidade argumentativa, elegância no agir e no falar, respeito aos valores humanos, dedicação ao trabalho e coragem para enfrentar desafios em sua luta pela justiça e para repensar uma opinião, cedendo espaço à verdade encontrada na reflexão mais profunda. A Universidade deve prepará-lo para a vida, fazendo com que siga o provérbio lusitano: semeia, cria e terás alegria, e tendo sempre em mente as palavras do Prof. Dr. Goffredo Telles Jr., de que: “o direito como o amor, tem sua fonte original no coração dos homens”. 

A pós-graduação (nível mestrado e doutorado), além de informação, deve oferecer formação sólida e profunda, em relação à área escolhida, despertando no futuro mestre ou doutor: sabedoria sem arrogância; respeito pela opinião alheia; audácia no defender suas ideias; gosto pela pesquisa e pela leitura; persistência e fé em si mesmo.

Daí a necessidade da obrigatoriedade das disciplinas de Teoria Geral do Direito e Filosofia ao Direito nos cursos de graduação e pós-graduação. 

É preciso que haja no meio universitário uma tomada de consciência de todos; uma vigorosa reação ético-jurídica, que acate a legalidade, a Constituição Federal, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e respeite a dignidade do ser humano, ideia-força que move o Estado Democrático de Direito. Para que tenhamos um Brasil plenamente desenvolvido, será necessário que ocorra uma reforma a longo prazo que, sem agredir, aponte caminhos viáveis e justos que possam mudar os destinos do país.

A Educação é um poderoso e eficaz meio de transformação social, visto que proporciona conhecimento da vida, criatividade, cultura, técnica-científica e senso crítico responsáveis pela formação humanística e profissional do corpo discente. 

MB – Como autora é admirada por sua didática. É resultado de sua vocação pelo magistério? O gosto pela leitura também ajudou a definir a construção de suas obras?

Maria Helena DinizMinha maior ambição sempre foi ser professora, formando gerações de estudantes e escrever foi uma consequência disso. Transmitir didaticamente ensinamentos, preparando a mocidade para a construção de um novo Brasil, é o maior estímulo que um escritor pode alcançar para aguentar o ritmo de sua doação, pois isso requer: solitude, para que possa pesquisar e ler bons livros; preparo técnico-científico; autodisciplina; dedicação ao trabalho; imenso gosto pela leitura; sintonia e agilidade no raciocínio.

Não posso negar minha irrefreável paixão pelos livros, meu fascínio especial pelo magistério e meu esforço para manter o espírito sempre aberto à pesquisa e à interpretação das modernas teorias do direito. Aos meus alunos e leitores que, com a aceitação de minhas obras, vêm aumentando em mim o firme propósito de continuar pesquisando, estudando e escrevendo, todo o meu especial carinho.

MB – A Sra. é considerada uma referência no estudo do Direito Civil. Uma vez mencionou que aprendeu com seus pais a lição de que sem o Direito nada pode ser duradouro neste mundo. Há outros ensinamentos, em particular do seu pai, também advogado, que influenciaram sua escolha?

Maria Helena DinizCresci num ambiente familiar repleto de amor, paz, solidariedade e incentivo. No verdor dos anos, filha de advogado, meu amor pelas leis logo se manifestou. Desde menina sentia prazer na leitura em Códigos. Precoce foi meu contato com a literatura, assim que aprendi a ler, aos dois anos e meio de idade, papai todos os sábados me presenteava com um livro. Quando ingressei no curso de Direito, comecei a formar minha biblioteca, que conta hoje com mais de 30 mil obras jurídicas e 2 mil obras de ficção e poesia. Grande foi a influência dele no gosto que tenho pela leitura e pelo Direito. Recebi de minha mãe, pessoa forte e admirável, uma educação primorosa e o incentivo pelos estudos. Com meus pais aprendi a apreciar a beleza da vida e a lição de que sem o Direito e fora dele, nada pode ser duradouro neste mundo.

A formação que ambos me deram tornou-me uma apaixonada pelo Direito, pela leitura, pelas artes, pela natureza e sobretudo pela vida. Até o final de suas vidas, sempre estiveram ao meu lado e, ainda estão. E, ao adormecerem na paz de Deus, deixaram um grande vazio, uma imensa saudade e uma força interior para continuar pesquisando e escrevendo.

 MB – Quais os professores que mais a influenciaram no Direito?

Maria Helena Diniz – Aproveito esta oportunidade para homenagear todos que foram meus professores na PUC-SP e na USP, que mais do que Direito, me ensinaram a grandeza do amor e da dedicação ao ensino. Entre eles cito: Washington de Barros Monteiro, André Franco Montoro, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Cassio Mesquita Barros, Dalmo Belfort de Maltos, Nicolau Nazo, Georgette Nacarato Nazo, Adib Casseb, Hermínio Alberto Marques Porto, Galvão Bueno, Thomas Marky, Costa Junior, João Bernardino Gonzaga, Bonilha, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Dalmo de Abreu Dallari, Cretella Jr., Celso Neves, além do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, por ter despertado em mim a vocação para o magistério pois, ainda estudante de Direito, fiz minha primeira exposição numa de suas aulas. A ele agradeço a mão sempre estendida nos momentos mais difíceis de minha vida universitária.

 Quanto ao estilo pedagógico e ao modo solidário e cordial de tratar os discentes herdei de três mestres que, além de paradigmas da cultura jurídica e humanística, abriam o coração: Prof. Goffredo Telles Jr., Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Prof. Waldemar Mariz de Oliveira Jr., educadores carismáticos, amados pelos alunos pela excepcional didática, pela simplicidade na exposição e pelo magnetismo pessoal. Doce é a saudade dos momentos de convívio com esses professores. Como Isaac Newton eu diria: sou uma anã, se vi um pouco mais longe, foi porque subi em ombros de gigantes. 

 MB – Como analisa o mercado editorial jurídico hoje?

Maria Helena Diniz – Infelizmente há uma ‘crise’ no mercado editorial jurídico que não deveria ocorrer, em razão do avanço tecnológico que tem provocado a queda do uso de livros e, consequentemente, de sua venda. Não se pode esquecer que tal ‘crise’ foi aumentada por uma catástrofe invisível: a Covid-19, que causou uma abrupta modificação no modo de viver da humanidade e uma suspensão inesperada de atividades acadêmicas, obrigando isolamento, distanciamento social, fechamento de bibliotecas, de educandários e de lojas etc.

Com isso, surgiu um novo caminho educacional: o ensino remoto emergencial, colocando milhares de estudantes em plataforma de educação on-line, repercutindo na vida social, familiar e educacional e na economia e, consequentemente, no mercado editorial. A verdadeira formação científico-jurídica requer pesquisa e leitura de bons livros e não simples consultas de textos esparsos na internet que, às vezes, não espelham a totalidade do pensamento do autor e, de vez em quando, a ideia do escritor vem distorcida. O avanço tecnológico, possibilitando leitura de textos esparsos na internet, não substitui, no nosso entender o livro, seja ele digital ou impresso. O estudante deveria aprimorar cada vez mais seus conhecimentos para desenvolver seus pendores, voltando sua atenção para leitura de obras (livros, e-book, periódicos científicos com Selo Qualis), que abordem os temas, com ciência e arte, de forma profunda e completa. 

 MB – Recentemente suas obras foram disponibilizadas em acervos digitais. Acredita que esses novos formatos de estudos colaboram com a disseminação do conhecimento e estimulam os estudantes de direito ao gosto pela leitura? 

Maria Helena Diniz – Ante a atual ‘crise’ do mercado editorial jurídico, e o glamour da era digital, a solução só poderia ser a disponibilização de obras em acervos digitais, para que estudantes e profissionais do Direito tivessem fácil acesso a esses livros. Isso não só possibilitaria a disseminação da cultura jurídica, como também estimularia o gosto pela leitura e pela pesquisa. 

“Atender às necessidades da nova geração por meios essencialmente digitais constitui um dos desafios dos séculos XXI, ante a nova realidade social dominada pela tecnologia”

MB – A Sra. já defendeu, em entrevista, que a pedagogia centralizada no corpo discente é o ideal. Acredita que os professores hoje conseguem atender as necessidades das novas gerações, essencialmente digitais? 

Maria Helena Diniz – O ideal para o aprendizado é o uso do método analítico sintético (pedagogia centralizada no aluno), por ser teórico-prático, ensinando a interpretar leis relacionando-as com fatos e valores. A aula deverá expor pontos principais (com o uso de slides ou não), com duração mínima de 45 minutos e máxima de uma hora, sendo seguida de estudos dirigidos, seminários, exames de acórdãos, debates, resolução de problemas jurídicos hipotéticos, apresentação de trabalhos em grupo e audiência simulada, forçando a participação ativa dos alunos na sala de aula. 

Com isso fomentar-se-á a transversalidade, como propõe Wilson José Gonçalves, como prática educativa, pois docente e discentes ficariam voltados a valores positivos e a temas transversais como saúde, meio ambiente, ética, questões sociais, conectando a instituição de ensino à vida das pessoas. Essa é uma metodologia que busca a promoção de conhecimentos da vida, levando a uma formação integral, por adotar currículo aberto à contextualização da realidade local e regional, tendo por eixo nuclear a cidadania.

E isso seria o ideal para o pleno exercício do direito à educação como um direito social, por propor uma integração das disciplinas com a realidade. Para desenvolver tal pensamento crítico-solidário e o raciocínio, o Problem Based Learning (PBL), proposto por Schmidt, Cruz e Wiemes seria o método ideal, por estimular a solução de problemas levando à aprendizagem mais participativa, desenvolver a criatividade e a capacidade intelectual de resolução de problemas que o estudante poderá ter de enfrentar na profissão, pois adquirirá novas habilidades e percepção real do mundo.

Aliado ao PBL útil será provocar o estudo prévio do tema, objeto da aula, mediante a metodologia Flipped Learning, criada por Talbert, que é o método invertido, em que o conteúdo da aula é fornecido por meio de textos, áudios, vídeos em período anterior à aula ministrada em sala, para fazer com que alunos tenham conhecimento da matéria antes de sua exposição pelo professor, que a aprofundará na classe.

Transversalidade somada ao PBL e ao Flipped Learning seriam a solução para a dinamização do ensino. Essa metodologia faz com que o professor apresente ao corpo discente as linhas gerais da temática abordada, que deve ser por ele lida antes da aula, mediante estudos dirigidos contendo questões sobre o assunto a serem entregues no dia da aula, forçando a pesquisa e a leitura por meio de utilização ou não de meios digitais. Em seguida ter-se-ão em sala de aula, além da conferência do docente, atividades pedagógicas ou seminários que envolvam resolução de problemas práticos, análise jurisprudencial, audiência simulada etc.

Na PUC-SP, o ensino tem sido considerado um pilar seguro para a difusão da cultura jurídica, unindo a teoria e a prática. Nada é mais gratificante do que ensinar os alunos a alcançarem o ideal por eles almejado, mediante o uso da internet ou das pesquisas em livros impressos e em revistas nacionais e estrangeiras. Atender às necessidades da nova geração, por meios essencialmente digitais, constitui um dos desafios do século XXI, ante a nova realidade social dominada pela tecnologia.

Deve-se ajudar o jovem em sua penosa ascensão, encher-lhe o coração de uma grande fé em suas possibilidades e de um profundo amor ao direito e à justiça, para que possa lutar pela valorização do ser humano, usando as armas de sua inteligência, tendo em mente as palavras de Von Ihering de que ‘na luta se encontra o direito e, no momento em que o direito renunciar à luta, ele estará renunciando a si mesmo’. 

 MB – Quais conselhos daria a um jovem estudante de Direito?

Maria Helena DinizAssuma o compromisso de sempre melhorar e manter-se atualizado, mediante leituras de bons livros digitais, ou impressos, aprimorando suas pesquisas. Também não se deixar dominar pela letra fria da lei, nem pela interpretação literal; não ter receio de pensar, repensar e rever uma opinião; ler a cartilha da humildade; procurar coerência no raciocínio, a eticidade, o respeito à dignidade humana, a sabedoria sem arrogância; viver a vida dentro de um ideal, sem esquecer dos três “erres”: responsabilidade, respeito a si próprio e respeito aos outros, procurando neles o que têm de melhor e dando a eles o melhor de si; saber ser gente; estender, com amor, a mão aos mais necessitados; procurar seguir sempre o critério do justum

Tais condutas trarão o sentimento do dever cumprido e deixarão na trajetória do futuro profissional do Direito a sua ‘marca’, contribuindo enormemente para o sucesso, por despertarem um halo de admiração em todos que o cercarem. Os vencedores serão os mais preparados, aqueles que, com conhecimento das leis, desenvolvem capacidade de argumentação e de comunicação e que, ainda, carregam valores humanos como a fraternidade, a humildade, o respeito à liberdade e à dignidade humana.

*A opinião dos entrevistados não expressa, necessariamente, o posicionamento do Blog da Minha Biblioteca.

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