6 livros para mudar a sua vida

 

O blogueiro Rafael Teodoro, da Revista Bula, publicou uma lista de 10 livros que podem mudar a sua vida. Claro que é a opinião pessoal dele, pois cada livro que lemos nos toca conforme o conjunto de referências culturais e experiências vitais que trazemos na bagagem. Listamos abaixo seis das suas sugestões.

“As obras selecionadas refletem invariavelmente a minha personalidade. São títulos que revelam a influência do meu particular conjunto de referências culturais e experiências vitais, como os muitos e muitos anos nos quais recebi educação formal de música em conservatório, o estudo intenso da Filosofia na adolescência, ou ainda em minhas passagens pela Alemanha ou como morador da Amazônia”, diz Rafael.

Fica o convite: dê uma chance a esses livros. Deixei-os mudar a sua vida também!

A Condição Humana, de Hannah Arendt

No seu livro mais famoso, “Origens do Totalitarismo”, Hannah Arendt buscou contextualizar historicamente o que chamou de “tentativa totalitária da conquista global e do domínio total” no século XX. Sua análise atravessa conceitos como antissemitismo, imperialismo e totalitarismo, para concluir que a dignidade humana só pode ser garantida por meio de novos princípios políticos — aquilo que designou de “um novo começo”.

Para a exposição dos fundamentos filosóficos desse “novo começo”, Arendt escreveu “A Condição Humana”. Nesse livro, a pensadora alemã defende o conceito de “vita activa”, entrelaçando o que considera as três atividades humanas fundamentais (labor, trabalho e ação) com as condições mais gerais da existência humana (o nascimento e a morte). Discerne com notável lucidez os conceitos de esfera pública e esfera privada. Traz a consciência de que a ação no espaço público traz implicações e responsabilidades distintas daquelas empreendidas no espaço privado e é fundamental para o desenvolvimento de uma nova visão da política e da vida como bem da humanidade.

História Universal da Música, de Roland de Candé

De todas as formas de manifestação artística, a música é indubitavelmente a mais popular. Para ouvir uma peça musical não é preciso sequer a intenção. Não são poucos os casos de ouvintes que descobrem a obra de um artista por acaso, ouvindo-a no rádio, como trilha sonora de filme, ou no som do carro do colega de trabalho que lhe deu uma carona. Isso não é ruim, é claro, pois a música é fonte de felicidade — e cabe à arte nos tornar humanos. O problema é que, diante dessa popularidade, a compreensão da música, enquanto fazer artístico, começa a desaparecer. Para piorar, a indústria fonográfica trabalha na lógica da picaretagem, fabricando “ídolos”.

“História Universal da Música” constitui um santo remédio contra a perda da compreensão do significado grandioso da arte musical. Roland de Candé sistematiza as características de cada um dos períodos da história da música (da Pré-história à Antiguidade, passando pelo Renascentismo, Barroco, Classicismo, Romantismo etc.), alicerçado em uma pesquisa histórica riquíssima. Mas o musicólogo francês vai além. Ele ainda enfrenta temas espinhosos relacionados ao estudo da música, tais como a sua definição, a sua percepção social, a sua função social e até mesmo a importância da notação na partitura como ferramental transmissor de ideias.

Truffaut/Hitchcok: Entrevistas
Reconhecidamente um dos grandes cineastas do século XX, o inglês Alfred Hitchcock, a quem se convencionou até mesmo alcunhar de “mestre do suspense”, teve, durante grande parte de sua carreira, seus filmes rejeitados pela crítica especializada estadunidense, que o acusava de artista medíocre, autor de filmes comerciais e vazios.

Mas, os críticos franceses da revista “Cahiers du Cinéma” foram pioneiros em reconhecer o mérito artístico da obra cinematográfica hitchcokiana. Assim, o presente livro é o registro documental dessa reverência. Nele, acompanhamos a entrevista que Hitchcock concedeu ao jovem François Truffaut. As perguntas e as respostas revelam um diálogo de altíssimo nível sobre cinema, a reunir dois dos grandes cineastas do século XX. Entrevistador e entrevistado discutem desde aspectos eminentemente técnicos – como problemas com as cores, direção de atores, a eficácia da decupagem clássica criada por D. W. Griffith, a impressão de terceira dimensão nas tomadas em contre-plongée – a outros mais acessíveis ao público leigo, como a infância solitária do diretor na Inglaterra e sua relação com atrizes como Grace Kelly e Ingrid Bergman, da qual guardava rancor por tê-lo trocado por Rossellini, além da difícil administração dos contratos com estúdios e produtores.

Walden, de H. D. Thoreau
O livro pode se desvendar pelo subtítulo: “A vida nos bosques”. Registrar as experiências de uma vida em comunhão com a natureza, como um bicho do mato, era a proposta revolucionária do pensador estadunidense Henry David Thoreau quando se mudou para uma pequena cabana, que ele próprio construiu, próxima ao lago Walden. Ali, viveria mais de dois anos isolado, de maneira a expressar sua crítica à sociedade do século 19, marcada pelo desenvolvimento industrial e o crescimento da vida urbana.
“Walden”, que hoje é considerado obra clássica do pensamento transcendental, é no fundo o testemunho de um misantropo radical, o testamento de um homem solitário, dotado de um intelecto superior e incompreendido. Thoreau, considerado um lunático pelos seus contemporâneos, alguém que quase ninguém levava a sério, foi o intelectual visionário que conseguiu perceber, com pelo menos um século de antecedência, a importância da preservação ambiental, antitética ao consumismo. É, assim, uma lindíssima declaração de amor à natureza e à liberdade.

Oblómov, de Ivan Gontcharov

Diferentemente de Gregor Samsa, que desperta metamorfoseado num inseto na conhecida novela de Franz Kafka, Iliá Ilitch Oblómov acorda todos os dias, pela manhã, sem nenhuma alteração. Ele passa o dia de roupão, deitado na cama do seu quarto ou sentado no sofá. Apesar de jovem (ele tem apenas 32 anos) e de aspecto simpático, Oblómov é descrito como alguém de rosto privado de qualquer ideia definida e sem nenhum traço de concentração. Sua rotina é sua indolência, que ele crava em todos os planos que arquiteta. É um homem de projetos que nunca leva a cabo, derrotado diariamente pela sua preguiça invencível. Essa é a síntese do romance escrito pelo funcionário público Ivan Gontcharóv, contemporâneo menos conhecido da geração de Gógol. “Oblómov” é uma caricatura divertidíssima da aristocracia feudal russa, mas cujo exemplo se encaixa como uma luva aos “reis e rainhas do camarote” modernos, que adoram exibir a sua riqueza em capas de revista e programas de TV, em que pese levarem uma vida intelectualmente parasitária e, o mais das vezes, completamente fútil.

A Morte de Ivan Ilicht, de Liev Tolstói
Segue a linha da “denúncia filosófica” de uma existência vazia, mas com a peculiaridade de deitar seus olhos no carreirismo no serviço público e, num prisma mais geral, no modo de vida burguês. Na novela de Tolstói, o moribundo Ivan Ilitch, antevendo a morte, reflete profundamente sobre sua vida. A angústia leva-o a perceber o quão infeliz foi sua trajetória, marcada pela obsessão com as aparências, com a busca incessante de cargos de prestígio, em jogos de interesse e poder que não serviam senão para alimentar seu ego inflado de juiz austero e bem sucedido.

Perto do fim, sem chance de convalescença, o leito de morte leva-o a perceber que todo seu empenho havia sido em vão, que tudo aquilo pelo que ele lutara (uma vida de aparências, de prestígio social invejável, do temor reverencial dado ao juiz que desempenha rigidamente seu papel de “boca da lei”) o havia abandonado. Ilitch se vê sozinho diante da morte, inseguro até mesmo quanto à sinceridade do amor de sua esposa e filhos. “A Morte de Ivan Ilitch” é uma novela curta, que em poucas páginas põe o “dedo na ferida” dos homens que fazem da carreira no serviço público um trampolim para a satisfação egoica, dispostos a tudo pelo poder. É uma história pungente e genial. Mas, acima de tudo, é um relato assustador, sobretudo para quem sabe que a cúpula do serviço público brasileiro, em qualquer dos seus Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), é pródiga em exemplos de “Ivan Ilitch” — infelizmente sem o mesmo escrúpulo.