Murilo Angeli D. dos Santos
Advogado na área educacional; Gestor de Desenvolvimento de Negócios da Saraiva Educação; Professor universitário FICSAE (SP)
Luciana Maia C. Machado
Doutora em Administração; Superintendente da Faculdade FIPECAFI (SP)
Urias Carlos S. Barbosa
Especialista em Gestão Educacional; Consultor Educacional
Desde o início de 2018, as Instituições de Educação Superior brasileiras são avaliadas por instrumentos de avaliação – institucional e de cursos – que trazem exigências ainda não plenamente absorvidas pelos gestores acadêmicos. Em relação às bibliotecas universitárias, foco desse artigo, as novas exigências puseram em xeque o modelo tradicional e exigiram inovações. Se por um lado trouxeram maior liberdade para a definição das quantidades de títulos e de exemplares, por outro aumentaram a necessidade de gerenciamento eficaz do acervo a partir dos dados a ele inerentes. Nos últimos anos houve um redesenho do percurso institucional para a gestão de acervos bibliográficos, com revisão da política de gestão de acervo e os procedimentos de escolha do referencial teórico dos cursos, dentro de uma realidade mais digital.
Tanto os instrumentos de avaliação institucional externa (credenciamento e recredenciamento), quanto os instrumentos de avaliação de cursos de graduação (autorização e reconhecimento) apresentam indicadores com exigências próprias dentro de um critério sequencial-aditivo. Assim, a atribuição do conceito em cada indicador ocorre com a observação da evidência de cumprimento da primeira exigência, a partir da qual se examina o cumprimento da exigência seguinte e assim sucessivamente. Considerando esse processo é que analisamos nesse artigo os indicadores referentes às bibliotecas universitárias.
- A biblioteca no credenciamento ou recredenciamento de uma IES (IAIE – Instrumento de Avaliação Institucional Externa)
A Portaria Normativa MEC nº 20/2017 (alterada pela Portaria Normativa MEC nº 741/2018 e republicada em 03/09/2018 já com as alterações) determina que o Credenciamento e o Recredenciamento de uma IES, além de um conceito final satisfatório, também dependem de sua boa performance em alguns indicadores considerados sensíveis. Assim, independentemente da obtenção de conceito final igual ou maior que três na avaliação, esses indicadores sensíveis também precisam obter, individualmente, um conceito igual ou maior que 3. Caso isso não ocorra a IES não será credenciada ou, em caso de recredenciamento, será instaurado um protocolo de compromisso.
Um dos indicadores sensíveis, ou seja, que impedem que a IES exerça livre e plenamente sua função, é o indicador de infraestrutura da biblioteca (5.9). A seguir vejamos cada uma de suas seis exigências:
CONCEITO | EXIGÊNCIAS E CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO |
2 | 1. Atende às necessidades institucionais |
3 | 2. Apresenta acessibilidade (ex. v-libras e nvda etc.) |
3. Possui estações individuais e coletivas para estudos | |
4. Possui recursos tecnológicos para consulta, guarda, empréstimo e organização do acervo | |
4 | 5. Fornece condições para atendimento educacional especializado |
5 | 6. Disponibiliza recursos comprovadamente inovadores |
Fonte: Instrumentos de Avaliação Institucional Externa – credenciamento e recredenciamento (2017)
Considerando o indicador 5.9 (tabela acima), encontradas as evidências de cumprimento das suas seis exigências, o conceito 5 será atribuído. Porém, não existindo evidências de cumprimento da primeira exigência o conceito será 1, independentemente do atendimento das exigências seguintes. A atribuição do conceito 3 que é determinante para o Credenciamento ou o Recredenciamento de uma IES ocorreria somente se fossem encontradas evidências de cumprimento das quatro primeiras exigências. Evidenciar o cumprimento da quinta exigência sem o cumprimento da quarta acarretaria a atribuição de um conceito 2 e, consequentemente, a IES não conseguiria o credenciamento ou o recredenciamento ainda que obtivesse 5 em todos os outros indicadores do IAIE.
O outro indicador de bibliotecas universitárias do IAIE é o indicador referente ao plano de atualização do acervo. Na tabela 2, a seguir, estão as quatro exigências do indicador 5.10 que não é um indicador sensível embora componha o conceito final da IES:
CONCEITO | EXIGÊNCIAS E CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO |
2 | 1. Há plano de atualização do acervo descrito no PDI |
3 | 2. Há viabilidade para a execução do plano de atualização considerando a alocação de recursos |
4 | 3. Há ações corretivas associadas ao acompanhamento e à avaliação do acervo pela comunidade acadêmica |
5 | 4. (se credenciamento) Há previsão de dispositivos inovadores
4. (se recredenciamento) Existem dispositivos inovadores |
Fonte: Instrumentos de Avaliação Institucional Externa – credenciamento e recredenciamento (2017)
O mesmo critério sequencial-aditivo é usado para avaliar as quatro exigências do indicador 5.10, ou seja, para a obtenção do conceito 5 a IES precisa apresentar evidências de cumprimento de todas as exigências. O cumprimento apenas as exigências 1, 2 e 4, por exemplo, ensejaria a atribuição de um conceito 3.
Em linhas gerais, considerando os dois indicadores (5.9 e 5.10) do IAIE relativos à biblioteca, merecem destaque a gestão do acervo e a inovação, que aparecem na lista de exigências de ambos. Sem a comprovação de um gerenciamento inovador que permita, por meio de recursos tecnológicos, (i) “consulta, guarda, empréstimo e organização”; (ii) “acompanhamento”; (iii) “ações corretivas” e (iv) “avaliação do acervo”, é impossível conseguir um conceito satisfatório o que, inclusive, impede o credenciamento ou o recredenciamento da IES na medida em que não atende uma exigência para conceito 3 de um indicador sensível. Doutro modo, a gestão inovadora do acervo associada a outras poucas comprovações, praticamente garantiria dois conceitos 5 para a IES.
Analisadas as exigências do IAIE, passemos a analisar as exigências do IACG concernentes à biblioteca. Afinal, ainda que credenciada, uma IES precisaria autorizar e reconhecer seus cursos. E o papel da biblioteca segue fundamental.
- A biblioteca na autorização ou reconhecimento de cursos (IACG – Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação)
Da mesma forma como ocorre no Credenciamento e no Recredenciamento de IES, para os atos de Autorização e de Reconhecimento de cursos também há indicadores sensíveis, ou seja, que impedem o livre e pleno funcionamento do curso. Contudo, diferentemente do IAIE, os dois indicadores do IACG concernentes à biblioteca não são assim considerados. Assim, caso um curso obtenha conceitos inferior a três nesses indicadores poderá compensá-los conseguindo conceitos altos em outros.
Em relação aos cursos, o conceito final necessário para garantir a autorização ou o reconhecimento é 3, exceto para os cursos de Medicina e de Direito, que apenas serão autorizados ou reconhecidos se obtiverem um conceito final igual ou maior que 4. Essa média elevada aponta para a necessidade de uma maior atenção desses cursos com todos os indicadores, não podendo prescindir de bons conceitos em quaisquer deles.
Eis as exigências do indicador referente à bibliografia básica (3.6):
CONCEITO | EXIGÊNCIAS E CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO |
2 | 1. O acervo físico está tombado e informatizado, o virtual possui contrato que garante o acesso ininterrupto pelos usuários e ambos estão registrados em nome da IES |
2. O acervo da bibliografia básica:
2.1 é adequado em relação às disciplinas/unidades curriculares e aos conteúdos descritos no PPC
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3 | 3. A bibliografia básica está referendada por relatório de adequação, assinado pelo NDE, comprovando a compatibilidade, em cada disciplina/Unidade Curricular, entre o número de vagas autorizadas (do próprio curso e de outros que utilizem os títulos) e a quantidade de exemplares por título (ou assinatura de acesso) disponível no acervo |
4. Nos casos dos títulos virtuais da bibliografia básica:
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4 | 5. O acervo possui exemplares, ou assinaturas de acesso virtual, de periódicos especializados que suplementam o conteúdo administrado nas disciplinas/Unidades Curriculares |
5 | 6. O acervo é gerenciado de modo a atualizar a quantidade de exemplares e/ou assinaturas de acesso mais demandadas, sendo adotado plano de contingência para a garantia do acesso e do serviço |
Fonte: Instrumentos de Avaliação Cursos de Graduação – autorização e reconhecimento (2017)
Para a avaliação das seis exigências referentes à bibliografia básica, o mesmo critério sequencial-aditivo do IAIE continua valendo para o IACG. Logo, para conseguir um conceito 4 o curso precisará atender as cinco primeiras exigências.
No tocante à bibliografia complementar, há no indicador 3.7 praticamente uma repetição das seis exigências para as bibliografias básicas. Vejamos:
CONCEITO | EXIGÊNCIAS E CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO |
2 | 1. O acervo físico está tombado e informatizado, o acervo virtual possui contrato que garante o acesso ininterrupto pelos usuários e ambos estão registrados em nome da IES |
2. O acervo da bibliografia complementar:
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3 | 3. A bibliografia complementar está referendada por relatório de adequação, assinado pelo NDE, comprovando a compatibilidade, em cada disciplina/Unidade Curricular, entre o número de vagas autorizadas (do próprio curso e de outros que utilizem os títulos) e a quantidade de exemplares por título (ou assinatura de acesso) disponível no acervo |
4. Nos casos dos títulos virtuais da bibliografia complementar:
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4 | 5. O acervo possui exemplares, ou assinaturas de acesso virtual, de periódicos especializados que complementam o conteúdo administrado nas disciplinas/Unidades Curriculares |
5 | 6. O acervo é gerenciado de modo a atualizar a quantidade de exemplares e/ou assinaturas de acesso mais demandadas, sendo adotado plano de contingência para a garantia do acesso e do serviço |
Fonte: Instrumentos de Avaliação Cursos de Graduação – autorização e reconhecimento (2017)
Com base na análise dos dois indicadores de biblioteca do IACG, nota-se novamente a ênfase na gestão do acervo e nos recursos de tecnologia já destacados nos dois indicadores do IAIE. Isso mostra a coerência entre os instrumentos e aponta para o caminho a seguir na gestão das bibliotecas universitárias.
- O gerenciamento do acervo diante das exigências instrumentos vigentes
O cenário trazido pelos atuais instrumentos, pode induzir gestores universitários a ampliar expressivamente o uso do acervo virtual em detrimento dos livros impressos como forma de economizar espaço e dinheiro. Contudo, não se pode esquecer de que existe a necessidade de garantir à comunidade acadêmica amplo acesso à biblioteca, algo inviável nas localidades em que o serviço de internet não é banda larga e naquelas regiões mais pobres em que nem todos os estudantes dispõem do necessário instrumental tecnológico.
Outro delicado ponto de atenção para a gestão das IES está nas próprias características das bibliotecas digitais existentes no mercado. A maior parte oferece um conjunto de títulos variados (alguns repetidos, com edições antigas), sem possibilidade de customização e, portanto, sem a imediata correlação com o referencial bibliográfico dos respectivos cursos atendidos. Desse modo, muitas disciplinas previstas na matriz de um curso podem ter todo ou parte de seu referencial bibliográfico sem obras virtuais disponíveis.
As principais bibliotecas digitais disponíveis no mercado fornecem relatórios de acesso e de uso, mas não permitem que a equipe de biblioteca da IES gerencie os títulos disponíveis. Esta realidade impede o atendimento das exigências dos atuais instrumentos que enfatizam a gestão acadêmica, a gestão dos processos educacionais e as soluções de apoio à leitura, estudo e aprendizagem. Sem o poder de gestão sobre o acervo virtual, as IES correriam o risco de, na prática, simplesmente terceirizarem o gerenciamento dos títulos para fornecedores que, em princípio, não conhecem e não têm comprometimento com seus projetos pedagógicos dos cursos.
Algumas IES mergulharam no universo dos livros digitais sem qualquer preocupação em ouvir seus discentes, docentes e pesquisadores. Diversos relatórios de acesso e de uso dos acervos virtuais, além dos resultados das autoavaliações institucionais comprovam que mesmo os estudantes nativos digitais não aprovaram ou ainda não estão dispostos a uma completa mudança de paradigma. A seu modo os estudantes reagiram e simplesmente passaram a ler menos as bibliografias tão cuidadosamente indicadas, buscando socorro na pirataria digital, nas apostilas ou até nos xerox de livros. Um efeito absolutamente oposto ao desejado pelo MEC e pelas próprias IES, que poderá refletir negativamente nos resultados de aprendizagem e nas próprias avaliações externas.
Ainda há tempo para a adaptação das IES aos instrumentos vigentes. No tocante aos livros, a reflexão deve considerar as seguintes questões elementares: quais as necessidades da comunidade acadêmica? Quais os títulos mais demandados? Há planejamento para atualização constante? Há garantia de pleno acesso à bibliografia de cada disciplina?
Na resposta a essas perguntas, é necessário considerar um aspecto primordial: a gestão eficaz do acervo (fisico e virtual) é o grande desafio trazido pelos instrumentos.
*Artigo originalmente publicado no blog da ABMES em 12/08/21