A Educação é tida como uma das principais chaves para as transformações de uma sociedade e cada cidadão tem seu papel nesta engrenagem. Num cenário inesperado de uma crise global na saúde, nos últimos dois anos os profissionais da Educação foram protagonistas em muitos processos de mudanças. 

A adoção de novos recursos tecnológicos, o crescimento exponencial do ensino remoto, a qualificação da docência colocada em pauta e a necessidade de reitores, gestores, bibliotecários e docentes entenderem as atuais demandas nos processos de ensino e de aprendizagem são alguns exemplos.

No mês em que se comemora o Dia Nacional do Profissional da Educação, trazemos à tona o valor de todos que dedicam a vida ao ensino, em uma conversa com dois experts: Ana Paula Novaes, Gerente da Qualidade no Ensino Einstein e Murilo Ángeli dos Santos, Advogado especialista em Direito Educacional, Coordenador de Cursos Jurídicos da FIPECAFI, Professor do curso de Administração de Saúde no Ensino Einstein e Head de Desenvolvimento de Negócios da Saraiva Educação S/A. 

MB – É possível traçar um comparativo entre o papel do Educador no início dos anos 2000 e hoje? 

Ana Paula Novaes – O educador tem, por essência, atuar de forma a fomentar o processo de transformação dos educandos, considerando-os como um ser humano integral e seu papel na comunidade.  Neste sentido, não há mais espaço para dúvidas do quanto as organizações de ensino devem acompanhar o dinamismo de nossa sociedade.

Um exemplo, muito próximo desta afirmação, reside em alguns dos impactos e legados deste período de pandemia pela Covid-19. Em um curto espaço de tempo, houve a virtualização das salas de aula, condicionando a uma nova forma de ensinar e aprender. E, neste processo, pode-se destacar algumas das principais diferenças entre o educador do início dos anos 2000 para dias atuais. Entre as quais destaco: 

O papel do educador extrapolou os limites físicos da sala de aula: a responsabilidade de entregar um conteúdo dentro de um intervalo de tempo está sendo, em boa parte, substituído por uma forma de interação que permite alcançar fronteiras pouco exploradas até então, colocando estudantes e profissionais de diversas instituições, realidades e nacionalidades dentro de um mesmo ambiente de aprendizado.

Com essa possibilidade de expansão do círculo social, o educador passa a ter oportunidade de expor os estudantes a interagir com pessoas de diversos grupos, com o aumento da base de conhecimento e possibilitando o preparo para o mercado de trabalho de profissionais cada vez mais sensíveis às diferenças humanas e com habilidade de se relacionar com pessoas de diversas origens culturais.  

E, por fim, talvez esse seja o item de maior concordância e citação entre os profissionais da educação, que o educador dos dias atuais se transforma em um mediador para que o estudante construa seu conhecimento, a partir da sua motivação, experiência prévia, aplicação prática e prontidão para aprendizagem – parte dos pressupostos andragógicos de Kwoles. Sem contar no desenvolvimento de novas competências acadêmicas, para efetividade do processo de ensino-aprendizagem, que envolvem a adoção de estratégias para construção ativa do conhecimento, domínio de ferramentas tecnológicas educacionais e o investimento em sua formação contínua, ampliando as áreas de conhecimento.

MB – O papel dos profissionais da educação mudou com o ensino remoto e com os impactos da era digital e da geração de ‘nativos digitais’?

Murilo Ángeli dos Santos – Antes mesmo da pandemia, os profissionais da educação já vinham testando novos modelos que passaram a ser viáveis com a ampliação da banda larga no Brasil. A chegada dos primeiros ‘nativos digitais’, nome dado àqueles que nasceram perto do ano 2000, para trabalhar com educação também vinha sendo decisiva até a chegada da pandemia da Covid-19.

Esse período de isolamento social trouxe muitos aspectos negativos, inclusive para o setor educacional. Por outro lado, podemos dizer que a exigência do ensino remoto acelerou muito positivamente os processos de mudança. Com o ensino remoto várias propostas foram testadas, muitas hipóteses foram confirmadas ou refutadas e, enfim, muita coisa mudou devido às quebras de resistência.

Na Educação Superior, os professores que já estavam capacitados para usar a tecnologia durante as aulas, tiveram mais facilidade na virada de chave para o ensino remoto. Aqueles que ainda não estavam capacitados ou que tinham resistência às mudanças, souberam se adaptar com muita ajuda do corpo técnico-administrativo das IES.

Nesse cenário de colaboração mútua entre os profissionais da educação, entendo que todos ganham e os estudantes já percebem que, mesmo nas IES que já retornaram com as aulas presenciais, os docentes estão muito mais conectados, usando o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem) para as interações, aplicando metodologias ativas e orientando sobre os melhores caminhos e ferramentas para uma aprendizagem mais autônoma.

MB – O que se tem feito – governo, instituições, sociedade – para reconhecer e valorizar os profissionais da Educação, na sua opinião?

Ana Paula Novaes – Creio que ainda muito pouco. Culturalmente, temos alguma dificuldade em associar que atrás de cada profissional esteve presente um conjunto de educadores que tentaram fazer a diferença. Vemos iniciativas e premiações muito pontuais em reconhecer projetos e educadores de sucesso, mas ainda não há um movimento social e governamental perene para elevar esses profissionais ao patamar consistente à sua responsabilidade econômica, cultural e social.

A escassez de recursos – ou problemas no seu gerenciamento – dificultam ainda mais a universalização da educação de qualidade, impedindo o pleno desenvolvimento de muitos educadores. Penso que se faz necessário a revisão de políticas que possam impulsionar e priorizar a profissionalização de novos conhecedores.

MB – A educação é, de fato, a chave para as mudanças no mundo e transformação dos cidadãos e futuro profissionais?

Murilo Ángeli dos Santos – A professora Ana Paula Novaes e eu fazemos parte de um grupo de pesquisa sobre o futuro da educação, formado por educadores de diversas IES e inclusive da educação básica. Nele, debatemos mensalmente sobre o futuro da educação, a partir de dados de reports da UNESCO e outras entidades nacionais e internacionais.

Em nosso encontro de junho deste ano, discutimos sobre como a educação pode contribuir para um futuro melhor em 2050. A partir dos dados, chegamos à conclusão de que a educação continuará a ser fundamental nas próximas décadas, desde que fundamentada em quatro pilares: humanidade, sustentabilidade, interculturalidade e diversidade. A partir dessas premissas, a educação certamente seguirá seu caminho de transformar para melhor a sociedade e os indivíduos. 

MB – Você concorda que a Educação é um dos motores para o desenvolvimento do país? 

Ana Paula Novaes – É por meio da educação que podemos desenvolver o nosso autoconhecimento e autopercepção. O que habilitará a aprimorar as competências cognitivas, técnicas e socioemocionais necessárias para a convivência e consciência social. 

É a educação que nos possibilitará realizar melhores escolhas para a promoção da saúde. Vários estudos evidenciam o quanto o acesso à educação está correlacionado à segurança e bem-estar.

Portanto, a educação de qualidade forma indivíduos com o pensamento criativo, expandindo a capacidade de ver questões ou problemas de múltiplos ângulos e pontos de vista – incluindo a perspectiva do outro, tão necessária para a construção de bons cidadãos e, consequentemente, o desenvolvimento de um país.

MB – As IES tiveram que reinventar seu modelo de gestão para viabilizar o maior acesso da comunidade acadêmica, tanto ao conhecimento como às atuais necessidades do ensino. Tem algum caso que mereça destaque?

Murilo Ángeli dos Santos – Entendo que também no âmbito da gestão universitária, a pandemia e o consequente modelo de ensino remoto trouxeram muitos desafios e aceleraram as mudanças.

Eu não vou destacar aqui um caso isolado, mas posso garantir que houve inúmeros cases de sucesso. Via de regra, as IES que já estavam adaptadas às exigências dos atuais instrumentos de avaliação externa do MEC/Inep  – tanto para credenciamento/recredenciamento institucional quanto para autorização/reconhecimento de cursos – conseguiram passar pelos momentos mais turbulentos da pandemia com certa tranquilidade.

Os instrumentos de avaliação vigentes foram criados no final de 2017, com o intuito de revolucionar os processos de gestão universitária. Muitos dos indicadores trazem consigo exigências de utilização de dados de gestão que levam à eficiência, transparência e à inovação.

“O docente do futuro está na consolidação do seu papel de transformação social, por meio do desenvolvimento de indivíduos. O elemento de conexão da ciência com a sociedade” – Ana Paula Novaes

MB – É possível pensar em inovação na qualificação dos docentes e demais profissionais da educação? Como as instituições podem estimular a capacitação?

Ana Paula Novaes