O debate da diversidade e da inclusão tem estado cada vez mais presente dentro das instituições de ensino do Brasil. De olho na relevância do tema e dessa tendência também na Educação, o Blog da Minha Biblioteca traz exemplos de duas Instituições de Educação Superior (IES) com iniciativas para promover a equidade e inclusão na sociedade.
No Insper, a entrevista foi com as docentes Bruna Arruda de Oliveira, Allyne Andrade e Raulison Resende e com Guy Cliquet, Coordenador Executivo de Novos Projetos Acadêmicos. Eles fazem parte da equipe da Comissão DEI Insper, fundada em 2018 com a missão de conscientizar a comunidade da instituição para a diversidade e inclusão, por meio do ensino de excelência e de pesquisa aplicada, com relação à classe, raça, gênero, orientação sexual, origem, deficiências e ideologias.
Na Ânima Educação, a conversa foi com Jancleide Góes – líder nacional dos Projetos de Extensão e Pesquisa em Diversidade e Inclusão, que inclui o Ânima Plurais, que dissemina a cultura de diversidade, com a oferta de Cursos e Projetos de Extensão específicos sobre a temática das diferenças e da inclusão.
MB – Quais são as maiores dificuldades que os grupos sub-representados nas universidades, como pessoas negras, encontram nesses ambientes universitários?
Comissão DEI Insper – Segundo o IBGE, a população negra corresponde a 55,8% da população no Brasil. Entretanto, há uma sub-representação no cargo de liderança. Isso também acontece quando pensamos em docentes universitários. Sabemos que existe uma preocupação na atração de colaboradores e alunos negros, mas muitas vezes a instituição não está letrada racialmente para uma inclusão e nem tem uma estrutura para promovê-la. Temos que lembrar que o fato de uma empresa ter diversidade não é garantia que tenha um ambiente inclusivo e igualitário. Um outro desafio para estudantes negros ingressantes em ambientes universitários é a falta de representatividade no corpo docente. É primordial ter professores negros como referência, para que se reconheçam como ocupantes do espaço e tenham perspectivas futuras. No Insper, além da Comissão DEI e organizações estudantis, contamos com o Multiinsper, que apoia o desenvolvimento das alunas e alunos.
Jancleide Góes (Ânima) – Quando falamos de grupos sub-representados, o principal desafio é a própria sub-representação. O motivo, por exemplo, da sub-representação de pessoas negras é o racismo, motivo de exclusão sistêmica de nosso povo nos espaços sociais. Então, voltando a sua pergunta, qual a dificuldade para se encontrar? O racismo. E ele, entenda-se aqui, em todas as perspectivas: institucional e interpessoal. A própria conceituação das universidades, regida a partir da perspectiva do Ministério da Educação, é de base eurocêntrica, o que nos remonta a uma tradição do início do século XX.
Podemos ter reprodução de racismo no corpo docente, discente, nas bibliografias, nos corredores, na interação da comunidade acadêmica com a comunidade externa. Assim como a homofobia é uma violência advinda da sub-representação da comunidade LGBT, dentre outros cenários. Essas são as principais barreiras e é válido destacar que a sub-representação é uma realidade que parte do outro, ou seja, da sociedade sentida e autointitulada como padrão, é um discurso da alteridade.
MB – De que forma ampliar essa discussão dentro das Universidades para que se combata formas de discriminação e se promova uma educação mais democrática?
Comissão DEI Insper – Enquanto Instituição de Nível Superior, formamos pessoas. E, para isso, temos um Programa de Formação em Diversidade para todas as esferas: docentes, discentes e colaboradores. O objetivo é desenvolver competências, dentro da Comunidade Insper, para construirmos, convivermos e crescermos com a Diversidade, Equidade e Inclusão, tornando-nos uma entidade educacional alinhada e de referência nestes conceitos.
Começamos as ações com todos os integrantes da Comissão DEI, desenvolvendo assim multiplicadores e embaixadores de Diversidade. Em um segundo momento, com a alta liderança, por meio de um ciclo de palestras em parceria como o CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades). Para o corpo discente foram ministrados cursos de curta duração, com atividades complementares para estudantes da graduação com o tema: Como inserir mais diversidade nas organizações e como se aliar a causa antirracista. Entendemos que a discussão e formação em diversidade proporcionam um ambiente inclusivo, acolhedor, respeitoso, seguro e sem preconceitos, com acompanhamento constante.
Jancleide Góes (Ânima) – Temos as diretrizes das Instituições, como a Ânima Plurais, que é a nossa cultura de diversidade e inclusão. E, por meio dela, desenvolvemos iniciativas como a oferta de Cursos e Projetos de Extensão específicos sobre a temática da diversidade e da inclusão, além de um olhar focado nos regimentos das nossas escolas, para garantir a preservação da ética. Temos, portanto, um guarda-chuva de perspectivas e possibilidades para trabalhar.
Atualmente, com a Ânima Plurais, dentro do Ecossistema Ânima, que engloba 18 Instituições de Ensino Superior (IES) em todo o País, fazemos um trabalho cooperativo com as IES, por meio de uma equipe de professores que debatem e trazem a temática da diversidade em uma carga horária específica para isso. Há uma atuação entendendo que precisamos avançar em vários aspectos, como o ampliar dessa discussão e a representatividade nas estruturas das IES. Tudo isso é importante para consolidar e aumentar a visibilidade e o engajamento do tema.
MB – A diversidade no universo acadêmico é capaz de produzir reflexos na sociedade, ciência e no mercado de trabalho?
Comissão DEI Insper – Sem dúvida. Como exemplo, podemos citar uma menor concentração de mulheres nas áreas STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática). A ciência também sofre este reflexo, uma vez que a diversidade produz inovação.
Jancleide Góes (Ânima) – Na verdade, tem que acontecer isso. Mas deve ser um comprometimento de toda a sociedade, para garantir que os locais onde a gente transita, que fazem parte do país, sejam a representatividade do próprio país. Cada espaço, sobretudo os que demandam o protagonismo do rumo da sociedade, necessitam obviamente representar muito bem o povo brasileiro em sua diversidade. Porque assim conseguimos melhorar e conduzir, de forma mais equânime, tudo o que precisamos para estabelecermos uma sociedade mais justa. Acredito que a diversidade contribui em tudo isso – numa relação de mais segurança, na diminuição da violência, e até no avanço de números, dados e informações econômicas.
MB – Como a Instituição tem engajado estudantes, professores e gestores em todos os processos?
Comissão DEI Insper – Definiu-se o foco em Diversidade com um dos seis grandes objetivos estratégicos do Insper. Entendemos que ela não é somente um fator de justiça, no qual a sociedade deve se apoiar, mas também uma fonte de imensa riqueza na geração de soluções de qualidade. Por este motivo, designou-se uma frente com liderança focada no assunto, que definiu seis iniciativas focadas nas partes interessadas próximas à instituição: alunos, colaboradores e docentes. Como resultado do planejamento, as seis iniciativas estão direcionadas a atrair e acolher diversidade, tendo sido colocadas em ação e recebendo toda a atenção dos gestores no seu acompanhamento.
Jancleide Góes (Ânima) – Além da Ânima Plurais, é importante ressaltar também as parcerias da Ânima com grandes empresas, de diversos setores, a partir das Unidades Curriculares Duais (UC`s Duais) – uma exclusividade e diferencial do modelo acadêmico do nosso Ecossistema, em que as instituições de ensino integrantes atuam em parceria com as empresas na formação dos alunos pensando na empregabilidade. Algumas delas tocam na questão da diversidade. Portanto, depende das especificidades que estão dentro desse mesmo espaço.
MB – Qual o perfil do atual universitário da instituição?
Comissão DEI Insper – Uma das ações da Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão do Insper para 2023 é a realização de um Censo de Diversidade para a obtenção de dados fidedignos do corpo docente, discente e colaboradores. Será feito um levantamento de gênero/raça, mas também de percepções sobre a diversidade e perfil de carreira. O Insper conta hoje com 39 organizações estudantis, estruturadas pelos próprios alunos. Dentre elas os Coletivos: Raposas Negras – de Inclusão Racial, que busca aprimorar a entrada, manutenção e formação de negros no Insper; o Inspride (Coletivo LGBTQIAP+ ) que tem como ideal trazer o debate em relação ao tema LGBT e à diversidade para a faculdade; o Gás Insper, uma entidade estudantil com o foco em desenvolver e executar projetos de âmbito social; o Femininsper – que promove a reflexão sobre o papel da mulher na sociedade atual e a questão de gênero. Estas organizações são primordiais no auxílio à atração e inclusão de alunos diversos junto a Comissão DEI.
Jancleide Góes (Ânima) – Atualmente, na nossa realidade do Ecossistema Ânima, temos um grupo de estudantes muito expressivo. É difícil fazer um detalhamento desses discentes, pois entraríamos na seara da complexidade que é o Brasil. Mas há diversas iniciativas pensadas para a promoção da inclusão, a partir de uma perspectiva da realidade do próprio país. Temos projetos de extensão e pesquisa voltados tanto ao tema quanto ao público. Além de coletivos estudantis como Enegrecer, Negritude em Pauta, LGBTI+ e Cidade e o Colorir-se, dentre outros. Tal qual, acompanhamos/executamos as políticas estabelecidas pelo governo, no intuito de colaborar para construção de um Brasil mais inclusivo.
MB – Há projetos futuros, em estudo, para ampliar essas ações inclusivas nas IES?
Comissão DEI Insper – O próximo projeto é o Young Black Mother in Tech. Ele é semelhante a outro – o Black in Tech – BiT e tem como público-alvo as mulheres pretas talentosas com ensino médio completo, que tiveram que abandonar os estudos para trabalhar e auxiliar no orçamento familiar e foram mães na juventude. Nele, vamos trabalhar o empoderamento da mulher, mãe e preta, em quatro dimensões, cada uma igualmente importante, mas não suficiente por si própria, para levá-la a atuar em seu benefício. São: a dimensão cognitiva (visão crítica da realidade), a psicológica (sentimento de autoestima), a política (consciência das desigualdades de poder e a capacidade de se organizar e se mobilizar) e a econômica (capacidade de gerar renda independente, por meio da Tecnologia da Informação – TI).
A ideia é formar as mulheres, mães e pretas, para serem profissionais de TI empoderadas para atuarem na modalidade home office. A iniciativa está planejada para suceder a formação da primeira turma do Black in Tech, em parceria técnica com a SAP, AWS, Microsoft e outras.
Jancleide Góes (Ânima) – A nossa meta é continuar ampliando o escopo de alcance direto dos nossos projetos de diversidade e inclusão que, como já dito, é a Ânima Plurais, em que um grupo de professores atua e trabalha, sob minha coordenação, cada um com o seu projeto. Nós temos um impacto muito significativo na comunidade acadêmica e na sociedade e conseguimos avançar nesse sentido. Todo semestre essa proposta está dentro do currículo e da Extensão. E são os cursos e projetos mais procurados pelos alunos, dentro de um portfólio amplo que é oferecido.
Acredito na continuidade dessas ações e, cada vez mais, consolidar essas iniciativas. São tijolos que vamos adicionando e ampliando. E que vão atingir a empregabilidade e a relação dos estudantes com a sociedade e, também, com a instituição de ensino, para que eles entendam que há um comprometimento da universidade. E esse compromisso será refletido na sua formação integral e na expectativa de entrega para o mercado de profissionais que levem consigo a habilidade da diversidade e da inclusão para onde forem. E isso também irá gerar um efeito muito positivo.
*A opinião dos entrevistados não expressa, necessariamente, o posicionamento do Blog da Minha Biblioteca.
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