A tecnologia é uma das grandes aliadas do mundo científico. Mas e quando a tecnologia é usada para o mal? Dois químicos brasileiros foram acusados no dia 26 de janeiro de usar dados de artigos científicos. Com o caso, a questão da fraude na ciência voltou a ser alvo de discussão no mundo acadêmico brasileiro.
A fabricação de dados, o plágio e a invenção de informações são alguns dos tipos de fraude mais comuns hoje. Contra esses problemas, universidades e publicações científicas contam com poucas armas – como softwares que identificam trechos de outros artigos e a revisão de conteúdo por outros especialistas da área.
Quando um erro é encontrado após a publicação de um artigo, há dois caminhos possíveis. Um deles é a correção, adotada pelas revistas de ciência em casos considerados de menor gravidade. Já no caso das fraudes, o procedimento mais comum é a retratação (também conhecida como despublicação).
Embora continuem a constar na base de dados da publicação, artigos despublicados ganham um aviso que informa que o conteúdo “não é confiável”. Quem explica toda dinâmica descrita acima são a linguista Ana Munhoz e a antropóloga Debora Diniz. Elas são autoras do livro “Plágio: palavras escondidas”.
“A infração ética gera vergonha e desconfiança do pesquisador como alguém cuja contribuição para o conhecimento acadêmico possa ser levada a sério”, explicaram elas.
“A demonstração de uma fraude intencional, deveria levar à rejeição dos fraudadores pela comunidade como um todo, mas isso raramente acontece”, afirmou em entrevista a EXAME.com o bioquímico Sergio Pena. Ele é um dos autores do guia “Rigor e Integridade na Condução da Pesquisa Científica”, da Academia Brasileira de Ciência (ABC).
A afirmação faz ainda mais sentido quando se considera o caso denunciado no dia 26 de janeiro. Ele envolve o uso de imagens fraudadas num artigo publicado em julho de 2013. Entre os autores desse artigo, está o químico Claudio Airoldi.
Em 2011, esse mesmo pesquisador foi suspenso por 15 dias pela Unicamp após investigações comprovarem o uso de imagens fraudadas em 11 artigos em que ele aparecia como autor.
Responsável pela parte experimental desses trabalhos, o cientista Denis Guerra foi demitido da Universidade Federal do Mato Grosso em função do episódio, tido hoje como o maior caso de infração ética da história acadêmica brasileira.
Ana e Debora destacam que nem todo caso de fraude é necessariamente fruto de má fé. Segundo elas, fatores como preguiça, engano e desinformação podem gerar o problema. “Precisamos de duas coisas: falar e educar”, defendem elas.
Consequências
As consequências de uma fraude no mundo da ciência são as mais diversas possíveis. Como exemplo, Pena lembra um estudo publicado pelo periódico The Lancet em 1998.
Nele, os pesquisadores apontavam uma conexão entre a vacina contra o sarampo e o desenvolvimento de autismo. Posteriormente, essa relação foi desmentida e o artigo foi alvo de retratação por parte da publicação.
Mesmo com todas essas precauções, a informação errada se difundiu nos Estados Unidos. Como resultado, muitos pais deixaram de vacinar seus filhos contra o sarampo. Por fim, isso fez com que microepidemias da doença (antes raras) voltassem a ocorrer naquele país.
“A confiança é o pilar da atividade de pesquisa”, afirma o guia de ética científica da ABC. Por isso, as fraudes na ciência são tão problemáticas. Quando elas acontecem, quem vira alvo de dúvidas é a própria atividade científica.
Via: Exame/Abril