No mês em que se comemora o Dia do Leitor, o Blog da Minha Biblioteca convidou Daiana Rocha – Pedagoga, Mestre e Doutora, Gerente Acadêmica e de Conteúdo EAD da +A Educação e Karina Nones Tomelin – Psicóloga, Pedagoga e Mestre em Educação, Co-founder da B42 e idealizadora do Educabox, para uma conversa sobre a importância da leitura na jornada acadêmica.
Elas destacam como os livros, impressos ou digitais e em seus diversos formatos e versões, são ferramentas indispensáveis na busca de informação e, numa época de tantas fake news, a importância de consultar fontes seguras. Confira quais caminhos as duas entrevistadas apontam para tirar benefícios de todos estes aspectos na trilha de aprendizagem.
MB – Segundo dados da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o país perdeu, nos últimos quatro anos, mais de 4,6 milhões de leitores. Entre 2015 e 2019, o índice de leitores caiu de 56% para 52%. Como avalia este cenário?
Daiana Rocha – Como uma mudança de comportamento, advindo das características da Sociedade da Informação. A leitura de livros completos faz parte dessa transformação, na qual a micro informação, em formatos digitais, tem se tornado mais comum. O importante dessa pesquisa é avaliar a consistência da leitura, a fonte segura da qual foi realizada. Cada vez mais os formatos de conteúdo se alteram, publicações levam para acessos complementares e cria-se a possibilidade de o leitor aprender o conteúdo de modos diversos e imergir para dentro da história, por meio de storytelling, se aprofundando muito mais. Vale refletir sobre o quanto nossos livros estão se adaptando e sendo imersivos, para garantir a captura da atenção dos leitores.
Karina Tomelin – É um cenário preocupante para todas as áreas. Sabemos o quanto a leitura é importante na construção de repertório, no desenvolvimento das habilidades linguísticas e no fortalecimento de processos cognitivos, ao longo da nossa vida. A pesquisa indica que a maioria das pessoas deixou de ler por falta de tempo. Porém, quando comparamos os dados históricos do levantamento, fica claro que as pessoas direcionaram o tempo de lazer para outras áreas, já que há um aumento significativo de indivíduos que indicaram usar seu período livre vendo filmes ou acessando a internet, quando comparamos com os anos anteriores.
MB – Quais as dificuldades que os estudantes mais demonstram ou reclamam, quando o assunto é leitura?
Daiana Rocha – A dificuldade de uma leitura mais extensa, com início, meio e fim e que exige uma dedicação de tempo maior. Hoje estão acostumados a informações curtas, em formato de notícia. O capítulo de um livro requer, inclusive, um nível de concentração maior e é quando se nota mais desistência e a falta de motivação, resultado de uma comunicação e informação, cada vez mais resumida atualmente.
Karina Tomelin – A falta de compreensão na leitura de comandos de questões de avaliações ou a leitura apressada e superficial são, sem dúvida, um dos maiores desafios. A sobrecarga da nossa atenção em função das inúmeras tarefas que realizamos, constantemente, também afeta os estudantes. Tendemos a ler rápido e refletir pouco.
Em 2016, uma publicação humorística chamada Science Post fez uma postagem com o seguinte texto: “Estudo: 70% dos usuários do Facebook leem apenas a manchete das notícias de ciência antes de comentar”. Ao clicar no link, o leitor perceberia que estava participando de um teste, uma brincadeira, já que o texto era composto de palavras sem sentido. O link foi compartilhado por 46 mil pessoas, o que comprovou ainda mais sua verdade irônica.
“No ensino superior, muitos professores acreditam que a ‘motivação’ para a leitura faz parte da ‘autonomia’ do jovem adulto em aprender, mas esquecem que seu papel é fundamental no encorajamento desta tarefa que compete com tantas outras nos dias de hoje” – Karina Tomelin
MB – Incentivar os estudantes a desenvolverem um Plano de Leitura pode ser uma boa estratégia, mesmo nas férias? Como deixar a leitura CTP (Científico-Técnico-Profissional) mais atraente e o que as IES têm feito nesta direção?
Daiana Rocha – Um plano requer do aluno se organizar para fazer uma leitura consistente em determinado tempo e com espaço apropriado para tal. Deve envolver o planejamento de quando realizar a leitura, em que local e com qual objetivo, que precisa ser claro para que haja engajamento. Para deixar a leitura ainda mais atraente, é preciso transformar alguns trechos do conteúdo analógico para um formato digital, possibilitando micro interações, com complementos on-line. Ou seja, leio um, dois capítulos e tenho um QR code que pode me direcionar para um vídeo, um infográfico digital, um conteúdo 3D. É uma estratégia para tornar a leitura híbrida, mais concreta e enriquecer a aprendizagem do estudante.
Também é válida a interação, colaboração, engajamento e docentes preparados para “encantar” os estudantes no seu processo de ensino e aprendizagem, incluindo enxergar a leitura como ferramenta fundamental. Assim, o aluno-leitor, com critérios de curadoria do seu próprio conteúdo, terá maior segurança e mais prazer para aprender e selecionar os temas. Essa diversidade é essencial para que tenha autonomia e se sinta confortável para se organizar em seus estudos e perceber o crescimento da sua aprendizagem, quando lê um capítulo de um livro, assiste a um vídeo e responde a questões em formatos interativos. Tudo isso fomenta a capacidade de interpretação do estudante e o ajuda na identificação, na construção da sua identidade, não só como leitor analógico, mas também digital, que é o que vivemos nos dias de hoje.
Karina Tomelin – Toda ação necessita ter sentido. Estimular os estudantes, organizando planos, pode ser uma estratégia, mas antes disso é necessário identificar qual o sentido, o propósito e objetivo que se quer alcançar. Isto também precisa ser claro para eles. Os maiores inspiradores para a leitura são os professores. Esta reflexão deve partir do docente. O que ele lê, como vê a importância da leitura e quais livros indica aos estudantes. Quando há coerência, há legitimidade.
A leitura obrigatória das bibliografias do Plano de Ensino precisa convergir com o resultado da aprendizagem que o professor espera alcançar. Penso que é muito possível deixar a leitura CTP mais atraente, mas reforço a importância de capacitar os docentes para que ressignifique seu papel na contribuição e construção destas estratégias criativas. No ensino superior, muitos professores acreditam que a “motivação” para a leitura faz parte da “autonomia” do jovem adulto em aprender, mas esquecem que seu papel é fundamental no encorajamento desta tarefa que compete com tantas outras nos dias de hoje.
MB – Diante da oferta de excesso de informações, como selecionar os melhores conteúdos? Qual o papel dos docentes nesta orientação?
Daiana Rocha – O estudante precisa ter suas fontes mínimas de curadoria, ao longo da sua jornada de estudos, para poder adquirir consistência dos locais apropriados em que pode consumir determinados conteúdos. O papel do docente é imprescindível para criar esse repertório, indicando essas fontes seguras, para que o próprio estudante tenha autonomia de buscar essas informações em portais digitais que já chancelem uma informação com qualidade.
Neste contexto, o professor-curador deve conhecer, minimamente, as dimensões pelas quais a curadoria necessita passar e identificar os aspectos pedagógicos do Plano do Curso, da disciplina, da aula – do macro ao micro – para poder montar uma trilha de aprendizagem consistente que atenda tecnicamente o conteúdo, desde que seja diversificado o suficiente para engajar o estudante para seu desenvolvimento. Nesse processo, é necessário que as instituições ofereçam ferramentas para o professor-curador poder selecionar esses conteúdos e construir essa trilha, além de capacitar seus docentes para que saibam usá-las de maneira aplicada para despertar as competências nos alunos.
É importante observar que a ansiedade do estudante é um ponto bastante discutido e, por isso, ele deve se sentir acolhido e ter acesso a conteúdos que o permitam escolher a forma de estudar, se preparando para uma avaliação ou prática em que terá competências técnicas e conceituais. A IES tem um papel fundamental de acolhida e apresentação dessa metodologia, para que o estudante tenha condições e segurança de compreender e poder caminhar minimamente sozinho, em relação à sua aprendizagem.
Karina Tomelin – Um dos maiores desafios das novas gerações está na sua dificuldade para processar, selecionar, ordenar, avaliar e sintetizar as gigantescas quantidades de dados existentes hoje. A revolução digital provocou mudanças na nossa forma de se relacionar, impactando, inclusive, o direito digital.
Precisamos falar sobre civilidade digital, compreender de maneira profunda o que significa e como seus valores fundamentam a vida coletiva. O professor pode ajudar os estudantes orientando sobre os perigos das notícias falsas, na interpretação das informações e estimulando práticas que envolvam o “bem pensar” ou o pensar investigativo de ordem superior, como definiria Mathew Lipman.
“Gaslighting” foi eleita a palavra do ano pelo dicionário americano e traduz um pouco do mal que vivemos, quando, por meio de informações distorcidas ou falsas, manipulamos outra pessoa. Precisamos ter consciência disso para não nos tornarmos reféns.
MB – Como as novas tecnologias e acervos digitais contribuem para um maior estímulo à leitura e descoberta de temas complementares ao dia a dia acadêmico?
Daiana Rocha – Os portais digitais são uma grande fonte segura e consistente de conteúdo para leitura. Adquirir ou ter acesso a essas bibliotecas digitais e portais científicos é essencial, inclusive para o estudante poder realizar comparações, com fontes que podem ser duvidosas, além de possibilitar que ele tenha esse repertório crítico de analisar o que está consumindo em formato de leitura.
Outro aspecto é a função do professor-curador em excluir conteúdo. Normalmente, por conta da legislação, escolhem uma quantidade enorme de conteúdo programático, sem fazer a distinção de formatos, e acabam sobrecarregando a trilha com muita informação. Portanto, este docente, por conhecer pedagógica e tecnologicamente esses aspectos e conteúdos, tem o discernimento maior em relação à seleção e exclusão, para tornar a trilha muito mais significativa e aplicável.
Karina Tomelin – O livro digital tem ganhado cada vez mais adeptos, pois é muito mais barato e pode ser facilmente acessado. Hoje, estima-se que, para cada e-book sejam vendidos 42 livros físicos no Brasil, mas há três anos esta relação era um e-book para cada 95.
Sem dúvida, o conhecimento está livre, disponível e acessível. Isto favorece, especialmente, as mentes curiosas ao universo sem fim da pesquisa. No entanto, para muitos, a indicação, orientação ou dica de temas e leituras ainda é fundamental. Neste sentido, compartilhar experiências de leitura também pode contribuir para estimulá-las. Redes sociais de leitores ajudam quem busca por conteúdo direcionado ou mesmo deseja estabelecer um plano com metas de leitura.
“Ter uma diversidade de conteúdo e formatos é o caminho para que essa curadoria aconteça de uma maneira prazerosa e que o estudante se identifique com um ambiente de estudo acolhedor, seja para lazer ou um estudo formal” – Daiana Rocha
MB – Ter hoje o estudante como protagonista de sua jornada acadêmica pode influenciar nas suas escolhas de uma bibliografia complementar?
Daiana Rocha – O estudante precisa ser protagonista da sua jornada e os currículos devem permitir isso. As bibliografias complementares são um caminho não único, mas interessante. A partir da consistência de uma curadoria, criada e incentivada pelo docente, se estimula a leitura e a busca para ampliar seus estudos, de uma forma significativa e aplicada à realidade em que vive.
Vale pensar que, fora da universidade, o estudante já está acostumado a curar conteúdo em formatos que gosta. Se é mais auditivo, deve aprender muito com podcasts, os mais visuais e auditivos a consumir conteúdo do YouTube, ou em salas de debate no Discord. Quando ele entra numa trilha de aprendizagem acadêmica, precisa conseguir enxergar esses diferentes formatos para que possa se sentir engajado e vislumbre um repertório consistente, de maneira que consiga dar conta com sua capacidade de organização pessoal.
Karina Tomelin – Com as oportunidades geradas a partir de atividades integradas e extensionistas, surgem ações para projetos locais, conectados com a comunidade e isso ampliará as bibliografias para além do currículo, sem dúvida.
Mas a jornada acadêmica não é formada somente pelas disciplinas do currículo e sim pelas diversas oportunidades geradas pelas universidades. Sempre oriento os estudantes para que se engajem no máximo de atividades possíveis: de pesquisa, monitoria, programas comunitários ou simplesmente para trocar experiências com outros discentes e professores. Há ampla formação para além do currículo formal e, muitas vezes, um café na cantina, com pessoas interessadas no desenvolvimento da carreira, pode inspirar e fazer toda diferença na formação do estudante.
MB – Você acredita que um baixo índice de leitura pode impactar na trilha do aprendizado e nas oportunidades no mercado de trabalho?
Daiana Rocha – O baixo índice de leitura empobrece a trilha de aprendizagem e não me refiro somente a uma leitura tradicional, mas também ao conteúdo digital, em formato de livro, mas que proporciona uma interatividade. É esse tipo de objeto de aprendizagem que torna a jornada mais prática, enriquecida e contribui para o estudante estar apto a interpretar desafios profissionais diversos, com maior consistência.
Creio que mudanças no processo de ensino e aprendizagem precisam estar em sinergia com o que o mercado e a sociedade nos têm mandado de mensagens. Ter currículos e uma curadoria docente e discente flexíveis é fundamental. Entendo que as trilhas precisam estar alinhadas ao perfil dos estudantes. Ter uma diversidade de conteúdo e formatos é o caminho para que essa curadoria aconteça de uma maneira prazerosa e que o estudante se identifique com um ambiente de estudo acolhedor, seja para lazer ou um estudo formal.
Karina Tomelin – A leitura favorece o pensamento crítico e criativo, além de estimular a interpretação da própria realidade. O mercado de trabalho está olhando para além das competências técnicas. Aprender a aprender, aprender ao longo da vida será uma necessidade. Não gostar de ler será um grande desafio para as pessoas que pretendem se manter ativas no mercado de trabalho.
MB – Enfim, acredita que vivemos uma crise de leitura? Temos como reverter este cenário?
Daiana Rocha – Estamos em transformação! Assim como tudo que se vive na sociedade hoje, a leitura também faz parte dessa transformação. Por isso, interpretar e se adaptar a esse movimento fluído é imprescindível para manter a leitura viva dentro do processo de aprendizagem da educação formal. É, também, importante que o aluno tenha acesso a formatos diferentes de conteúdo para estudar e lembrar que qualquer um deles sempre dependerá da leitura, seja um infográfico, uma interpretação, assistir um vídeo, ler um capítulo de livro ou responder a uma pergunta. São aspectos desenvolvidos desde a educação infantil e que se consolidam ao longo de sua jornada de estudos.
Karina Tomelin – Creio que a leitura convencional está passando por mudanças. As tecnologias digitais têm impactado ora de maneira positiva, ora negativa, o universo da leitura. Mas acredito em recomeços e oportunidades de expandir a capacidade leitora das pessoas.
Algumas ideias de como educadores podem “converter” seus estudantes para leitores são:
- Reflita como está seu hábito de leitura. Como você lê, o que gosta, o que funciona para você e reconheça os benefícios da leitura. Ninguém dá o que não tem. Se o professor não lê ou não gosta, dificilmente inspirará leitores.
- A leitura deve ser prazerosa. Ainda que textos técnicos sejam desafiadores, há modos de ajudar os estudantes a lê-los de forma que sejam compreensíveis ou, ainda, inserir outros conteúdos complementares que deixem a caminhada do leitor menos difícil.
- Pratique a leitura criativa e a estimule promovendo estratégias de compartilhamento e materialização das ideias de forma inovadora. O resultado pode surpreender.
- Pense em ações colaborativas, gamificadas e compartilhadas. Ler não precisa ser algo solitário e pode ser muito mais divertido quando há ações coletivas envolvidas.
*A opinião dos entrevistados não expressa, necessariamente, o posicionamento do Blog da Minha Biblioteca.
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